terça-feira, 16 de julho de 2013

Trabalhadores perseguidos pela ditadura relatam a resistência, prisão e torturas em audiência

Denise Ritter - MTE 5584 - 08:37 - 15/07/2013


Os depoimentos de quatro ex-sindicalistas que militaram contra a ditadura militar (1964-1986) comprovaram, na tarde dessa sexta-feira (12), na Assembleia Legislativa, que os trabalhadores perseguidos pela repressão sofreram duplamente: primeiro na prisão, nas mãos dos torturadores; depois pela dificuldade de sobreviver sem trabalho e o trauma que marcou suas famílias. Foi o caso do metalúrgico aposentado João Batista Lopes, 76 anos, que contou sua história do período à Comissão Estadual da Verdade, em audiência pública de iniciativa do deputado Jefferson Fernandes (PT), juntamente com Antônio Nailen Espíndola, 76 anos, Orlando Michelli, 64 anos, e Pedro Machado Alves, 73 anos.
Gaúcho de Santo Ângelo, Lopes cresceu na roça e de lá veio para Porto Alegre, onde se tornou operário soldador na Metalúrgica Wallig e no Estaleiro Só. Trabalhava à noite e estudava de dia, quando participou de uma greve, violentamente reprimida pela polícia, e em pouco tempo todos os grevistas estavam demitidos. No Estaleiro Só, tomou contato com dirigentes gaúchos da Var-Palmares, organização clandestina da resistência ao regime, e passou a integrar o grupo. Fazia panfletagens, participava de duas ou três reuniões por semana e acabou se tornando o encarregado de fazer a ligação entre os operários e o comando regional da VP.

Pela localização de sua casa, na Zona Sul, foi escolhido para guardar armamento, munição, documentos e até uma parte do dinheiro tomado pela organização da amante do governador de São  Paulo Adhemar de Barros. Em 1970, membros do grupo começaram a “cair” nas mãos da repressão e, antes que pudesse fugir, foi preso em casa, diante dos cinco filhos pequenos e da mulher. Ali mesmo foi torturado, levado para a prisão do Departamento de Ordem Política e Social (Dops), dando início a um ano e oito meses nas garras da ditadura.

Conheceu o inferno, em sessões de choque elétrico, pau-de-arara, espancamentos. Um nome bastante repetido nos depoimentos, como o líder dos torturadores, foi o do ex-delegado Pedro Seelig, que participava diretamente de torturas. “Apanhei muito”, contou Lopes, “mas nunca dei um nome (de companheiro)”, acrescentou. Isso irritava muito Pedro Seelig e incomodou também o secretário de Segurança Pública, coronel Átila Rodrigues. Deste, Lopes contou que levou uma coronhada de pistola 45 na cabeça e caiu desmaiado, no dia em que lhe disseram que seria liberado da prisão. ‘Foi uma passagem muito longa, bem ruim e muito difícil”. 

Não bastasse isso, nunca mais conseguiu emprego em Porto Alegre e após três anos precisou buscar trabalho em Santa Catarina, onde viveu 20 anos. Nesse meio tempo, separou-se da mulher e ficou longe dos filhos, que sofreram muito por tudo isso. “Foi uma família destruída, que ficou com sequelas, porque meus filhos viram quando fui preso, fui torturado na frente deles”, lamentou Lopes. “Mas uma coisa eu digo, pelo que eu vivi e pelo que eu aprendi, continuo pronto para a luta, sendo para o bem da humanidade”, concluiu, bastante aplaudido. Agora ele busca na Justiça Federal uma indenização mais justa, pois recebeu da União somente R$ 15.600,00 como ex-preso político.

Tortura psicológica

Antônio Espíndola era presidente do Sindicato dos Portuários de Rio Grande quando foi preso, logo após o golpe, e trazido para Porto Alegre, onde foi jogado, com outros presos, numa cela suja de sangue e com um cidadão jogado no chão, todo ensanguentado. Ficou do golpe até junho de 1964 detido na capital, sofrendo maus-tratos físicos, humilhações e tortura psicológica. Depois de solto, foi posto na rua do seu emprego num processo forjado de “improbidade administrativa”. Também luta no judiciário por uma indenização justa da União.

Já Orlando Michelli era metalúrgico em Caxias do Sul, sindicalista e membro da Var-Palmares, quando foi preso em maio de 1970 pela segunda vez. A primeira tinha sido como estudante secundarista, em 1968. Ficou até julho e nesse meio tempo foi levado à “fossa”, como era chamada a prisão do Dops, onde passou pelo tratamento que era rotineiro naquele local, com sessões frequentes de tortura: “Normalmente era o Pedro Seelig (o torturador) e o ‘Cardosinho’; esse era magrinho, não muito alto, diziam que foi requisitado de uma delegacia de polícia para o Dops por que era muito sanguinário, era o mais sádico. Lógico, com o comando do Pedro Seelig”, denunciou.

O engenheiro de segurança Pedro Machado Alves era metalúrgico e militante do PC do B quando foi preso, em maio de 1968, e também conheceu a truculência da repressão, com requintes de sadismo, como a simulação de fuzilamento e ameaças de ser morto e largado no Guaíba. “Meu grande medo era de não delatar os companheiros e saí honrado porque não entreguei ninguém”, relatou Machado, outro que experimentou um longo período de desemprego por conta da perseguição que continuou sofrendo depois de solto.

Na abertura da audiência, o deputado Jefferson Fernandes destacou que estes depoimentos, numa época em que acontecem grandes protestos de rua no país, servem para lembrar que, “antes dessa geração, outros homens e outras mulheres lutaram e deram sua vida em prol da nossa democracia”. Integrante da Comissão Estadual da Verdade e coordenador dos trabalhos, o advogado Carlos Frederico Guazzelli disse que estes depoimentos serão todos encaminhados à Comissão Nacional que investiga os crimes da ditadura. “Queremos mostrar que os trabalhadores foram duplamente reprimidos na ditadura, porque o preço que um trabalhador paga por lutar é um preço maior que nós, da classe burguesa ou da classe média, pagamos”, afirmou.

Também foi informado que, dentro de um mês, a gravação desses depoimentos e também os mais de dois mil processos de ex-presos políticos que pediram indenização ao Estado ficarão à disposição do público e pesquisadores no Arquivo Público do Estado.

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